GRANDMA
Ulisses Belleigoli
Mas tem texto em português na apresentação? Tem sim! Isso porque um dos nossos desejos é compartilhar a ideia de que todas as línguas têm suas belezas e potencialidades. Não há uma língua melhor, ou mais eficiente, ou mais específica. Cada língua serve ao seu povo e a seus falantes para que eles possam comunicar suas necessidades e desejos (e muito mais!)
A história que escolhemos é um "causo" bem mineiro, cuja protagonista é a avó de um dos Tongue Twisters.
O menino falava inglês. Tinha aprendido na escola. Guardava o caderno como quem guardava um tesouro. Nas páginas, além das palavras, plantava desenhos. “Grapes”, e logo abaixo o cacho de bolas roxas, coloridos com força com seu lápis de cor preferido. “House”, e a casa parecia ter vida no papel, com fumaça saindo da chaminé e tudo mais.
Chegava da escola encantado, como quem tem o mundo nas mãos. Andando pela casa - house -, comendo suas uvas - grapes -, ele fazia as palavras desfilarem pelo ar: “the book is on the table, the boy likes to sing, the sky is the limit.”
A avó, que amava o neto como se ele fosse um poema, gostava de ouvir. “Fala inglês para eu ouvir você, meu neto?” E ele falava. Cresceu dizendo palavras em inglês. A avó também cresceu; na escuta, no neto. Via no menino que crescia um mundo que nunca lhe fora oferecido. A pobreza e a vida não lhe convidaram para as carteiras e livros, para os ingressos e passaportes. Mesmo assim, queria voar - alguns pássaros não envelhecem. Um dia, já bem velhinha, pediu ao neto:
- Me ensina inglês?
- Pra quê?
- Pra eu conversar com você…
O neto logo preparou a lição. Depois do café da manhã, teve início a esperada aula. Com ar professoral, ele explicava:
- Eu é “I”; você é “you”; ele é “he”; ela é “she”; nós é “we”; vocês é “you” também, porque lá é tudo igual, você e vocês.
- Mas que coisa mais esquisita! - a avó estranho a outra língua, como boa aprendiz.
- Mas é assim, vó.
- Então tá certo! - ela confiava no seu professor.
- Então repete, vó, pra ver se você aprendeu?
- Ih, esqueci...
- Mas como esqueceu, vó? Eu acabei de dizer tudo!
- Ih, mas eu já sou muito velha, esqueço as coisas mesmo.
O neto tentou, mais algumas vezes, ensinar os pronomes (ou, como se diz, as pessoas do sujeito) para a avó. Mas sem sucesso. Quando chegava no eles é “they”, ela já tinha esquecido todos os outros.
- Assim não dá, vó! Você não lembra de nada!
- E se a gente for devagarinho? - ela sugeriu.
- Tudo bem… - o neto concordou. - Vamos tentar guardar o “I”. “I” quer dizer eu. Repete comigo: “I”.
- “I” - ela repetiu feliz.
- Agora, vó, tem que praticar. Hoje, você não fala a palavra eu. Na hora que você quiser dizer eu, você, no lugar, diz “I”.
O neto foi para a escola e largou a avó em casa. A pupila, dedicada e entusiasmada, seguiu à risca a tarefa passada pelo neto. Durante o dia, falava - para si mesma, em voz alta: “I vou comer uma pêra”; “I gosto muito de fazer tricô”; “I estou vendo televisão com minha filha...”
- Que é isso, mãe? Tá ficando doida é? - a filha falou, estranhando comportamento da mãe.
- Doida nada! Tô ficando é esperta! Meu neto está me ensinando inglês.
Praticou incansavelmente ao longo do dia. Bem, nem tudo saiu perfeitamente. Como passou o dia falando “I, I, I”, as coisas acabaram se misturando, e no final da tarde ela já andava pela casa dizendo coisas como: “Ai, que calor!”; “Ai, que fome!”.
Depois da escola, o menino foi correndo para casa, curioso para saber como a avó tinha se saído. Contudo, foi surpreendido pela mãe, que o esperava um pouco aborrecida.
- Que história é essa de ensinar inglês pra sua avó?
- Ué… ela queria aprender…
- Pois saiba que ela passou o dia inteiro falando na minha cabeça: “I” isso, “I” aquilo. No final das contas, já não estava juntando lé com cré. Nem ela, nem eu, que ouvi isso o dia inteiro. E tem mais, hein: você está proibido de ensinar o “you”. Eu fico sozinha com a sua avó aqui nessa casa. Se ela decidir praticar o “you”, sou “I” que vou ficar gagá.
As aulas de inglês foram interrompidas, mal tinham saído do ovo. Os dois ficaram tristes, mas não muito, porque a avó logo quis aprender geografia, algarismos romanos e história do Brasil. Juntos, passaram muitas tardes aprendendo, rindo, cantando.
A avó se foi. Sem falar inglês. O neto, outrora professor, virou aprendiz: da avó, aprendeu os significados: entusiasmo, alegria, teimosia, resignação; o tempo da vida e o tempo de cada um. Da avó, aprendeu que a língua mais bonita é aquela que aproxima as pessoas.
Ah, aproveitamos para brincar um pouco com outras línguas! E para você, qual é a língua que encanta?
The beautiful language is the one that brings people together.
La bella lingua è quella che unisce le persone.
La belle langue est celle qui rassemble les gens.
La bella lengua es aquella que une a las personas.
اللغة الجميلة هي اللغة التي تجمع الناس
Die schöne Sprache ist die, die die Menschen vereinigt.
美しい言葉こそが人々を結びつけるのです。(Utsukushii kotoba koso ga hitobito wo musubitsukeru no desu)